Mauro Santayana comemora a Lei da Ficha Limpa
DEBATE ABERTOA decisão do STF e o fim das oligarquias
Não estaremos, é certo, protegidos totalmente contra a corrupção e outros abusos da prática política. Mas estamos, a partir de 1985, com avanços e recuos, nos livrando das oligarquias, e o processo deve continuar. A decisão do STF é talvez o passo mais importante nesse caminho.
Mauro Santayana
Reconheça-se que a decisão do STF, na aprovação da Lei da Ficha Limpa, tal como ela foi concebida, foi tomada sob a pressão da cidadania. Essa pressão, ao contrário do que pensam os juristas puros, leitores apressados de Kelsen e outros, é sempre legítima - se moderada pela prudência. Quando houver o abuso nas decisões colegiadas de segunda instância, cabe aos tribunais superiores zelar pela proteção dos cidadãos contra as eventuais intrigas e chicanas.
A política é a mais necessária e a mais difícil das atividades humanas. Ela se exerce em todos os atos da vida, porque se trata de contratos cotidianos, de negociações mais difíceis e menos difíceis, sem as quais não seria possível a vida em comum. Esses convênios se dilatam no tempo e em suas dimensões e conseqüências, na construção dos estados e na administração do bem comum. Ao longo da História, houve sempre o conflito entre a astúcia na luta pelo podjer e a ne cessidade de que ele seja exercido por homens honrados. O grande problema é que, na imensa maioria dos casos, os homens honrados se sentem inibidos em reivindicar o poder político. Essa inibição abre espaço aos demagogos e aos aventureiros.
Daí a explicação de Disraeli para a solidez da Inglaterra, em seu tempo. Ali, dizia o Lord de Beaconsfield, aos homens de bem não faltava a audácia, um atributo normal dos canalhas. Não teem faltado, mesmo entre nós, homens de bem ousados, na defesa da República, e, graças a eles, a nação vem sendo construída. Afinal, toda edificação de uma nacionalidade pode ser definida como uma revolução permanente. E como Danton definia as revoluções, para elas il faut d’audace, et encore d’audace, et toujours d’audace.
O ponto de gravidade dos debates foi o do direito de defesa. No ordenamento jurídico brasileiro é possível a um réu provido de dinheiro e, dessa forma, de numerosos e com petentes advogados, postergar a sua punição ad-aeternum. Como sabemos, há, tramitando pelos tribunais, processos iniciados quando muitos dos atuais ministros do STF ainda não haviam nascido. Os autores e réus morrem, mas os processos parecem destinados ao juízo final. Quando os réus são pobres, a justiça tampouco é célere. Os advogados de defesa, de um modo geral – há sempre exceções – sejam contratados, ou de ofício, cumprem as formalidades e deixam o processo caminhar normalmente. Amontoam-se, nos cárceres, presos esquecidos, sem julgamento, e até mesmo de pena cumprida, esperando pelo alvará que os liberte. É preciso encontrar um limite para as apelações e embargos que vão impedindo que a justiça se faça, na absolvição e na punição, conforme o caso.
É certo que temos, no Brasil, mais advogados do que necessitamos. Sendo assim, é quase natural que se multipliquem os pleitos, e que se dilatem as decisões. Os códigos, com seus p razos e delongas, são redigidos por advogados. Explica-se, dessa forma, o volume espantoso de processos que sobem da primeira instância até o STF, com causas que deveriam encerrar-se na comarca em que se iniciaram.
O direito foi protegido, ao só serem considerados inelegíveis aqueles que tiverem sido condenados por uma decisão plural, seja no Tribunal do Júri, seja nos tribunais de segunda instância - e, como é do bom senso, os que renunciaram aos mandatos a fim de esquivar-se de um processo político movido pelos seus pares.
Não estaremos, é certo, protegidos totalmente contra a corrupção e outros abusos da prática política. Há sempre meios de burlar as normas da lei. Mas já é um bom começo. Teremos, os cidadãos, que nos preparar para substituir alguns dos homens públicos em quem votávamos, fosse por desconhecer seus desvios, fosse por perdoá-los, em nome de nossos próprios sentimentos. Estamos, a partir de 1985, com avanços e recuos, nos livrando das oligarquias, e o processo deve continuar. A decisão do STF é talvez o passo mais importante nesse caminho.
Assim faremos, com o tempo, a pátria que merecemos.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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